domingo, 8 de janeiro de 2012

LEI SECA


 
Tratar da lei seca em vigor no Rio de Janeiro é tarefa árdua. A pressão do politicamente correto inibe as críticas e a divulgação de reportagens constantes dando conta de acidentes causados por pessoas embriagadas piora a situação. Mesmo assim me arrisco. Fui parado no dia primeiro do ano, às 05:00hs da manhã. Havia brindado com os amigos a chegada do ano, mas certamente não estava bêbado àquela hora.  Conduzia meu carro com tranqüilidade e segurança quando fui surpreendido pela blitz há algumas centenas de metros de minha casa. Não havia cometido infração alguma e me sentia muito consciente e seguro na direção. Evidentemente, recusei o teste do bafômetro, pois não poderia garantir que resultasse em um valor irrisório. Além de todo o transtorno, apreenderam minha carteira, um ato arbitrário e sem justificativa. Para piorar, não se recebe informação facilmente e o tempo de liberação é muito superior ao que se poderia considerar razoável. Um castigo que o Estado aplica, a exemplo dos pais que tratam com crianças que ainda não possuem discernimento suficiente para serem consideradas responsáveis. Mas não é este o caso. Devemos ser responsabilizados apenas pelo que fazemos, e não de forma preventiva pelo que talvez venhamos a fazer. Não cometi nenhuma infração, apenas não queria soprar um bafômetro que, TALVEZ, acusasse a presença de álcool. Me parece que a lei no Brasil é cada vez mais dura quando pretende coibir os “mal feitos”, mas nunca rigorosa para punir os reais contraventores. Para quem está em situação similar, segue um modelo de recurso.

ILMO SR. DR. DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO RIO DE JANEIRO RJ
  

DEFESA CONTRA AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO

FULANO DE TAL, brasileiro,  inscrito no CPF sob o n.º XXXXXX, portador da Carteira de Habilitação n.º xxxxx, residente e domiciliado à Rua XXXXXXXX, Rio de Janeiro RJ, respeitosamente, vem interpor junto a Vossa Senhoria, a presente DEFESA PRÉVIA contra o auto de infração XXXXXXXX, aplicada ao veículo cujo Documento DUT segue em anexo, pelos motivos a seguir expostos:

  O Recorrente não foi submetido a nenhum teste, tendo sofrido tão somente avaliação visual. Sobre a hipótese de recusa do condutor em se submeter a qualquer dos procedimentos de aferição de álcool ou outra substancia psicoativa (art. 277, § 3º), o artigo 8º, § 2º, "g", do Decreto 676, de 6 de novembro de 1992, disciplina que toda pessoa tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem declarar-se culpada". Disso deflui o privilégio contra a auto-incriminação, uma manifestação eloqüente da clausula da ampla defesa, do direito de permanecer calado e da presunção de inocência.
Essa disposição do § 3º, do art. 277, relacionado ao art. 165, que passa a considerar o motorista de pronto culpado, com aplicação instantânea de medidas administrativas, como multa e suspensão da habilitação, sem que haja oportunidade de defesa, representa um indesejável retorno às formas mais abomináveis de repressão e autoritarismo, jogando por terra o fundamento constitucional da dignidade humana, (art. 1º, III da CF), as garantias constitucionais do direito à jurisdição, ao contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LIII, e LV).
Em todos esses aspectos a lei é falha, representando uma verdadeira afronta aos valores supremos da democracia e as garantias processuais que a Constituição confere a todos indistintamente posto que ninguém possa ser privado de sua liberdade e dos seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV), aliado ao direito do livre acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), bem assim a garantia do juiz natural, pois ninguém será processado nem julgado culpado senão pela autoridade competente (art. 5º XXXV) e a autoridade competente é a autoridade do Poder Judiciário, investidas de poder jurisdicional.


DA ALEGAÇÃO

O Auto de infração em questão não pode prosperar, porque eivado de vício irreparável a posteriori. Senão vejamos:


I – PRELIMINARMENTE
  
DA TEMPESTIVIDADE

No caso em tela não há que falar em recurso intempestivo, haja vista que está sendo interposto em tempo hábil. Outro fator é que o auto de infração está viciado,  conforme se provará abaixo e, portanto, não poderia ser validado pela autoridade de trânsito.
Destarte, como a questão versa sobre vícios de formalidades e não de mérito, pode ser contestado a qualquer tempo, exceto se prescrito o ato administrativo, o que no caso em tela não existe.
Requeiro o recebimento do presente recurso, independentemente da intempestividade. De outro lado é inquestionável que a segurança jurídica é pressuposto essencial às atividades exercidas pelos agentes públicos e sob essa ótica, não podem os cidadãos serem vulnerados ao arbítrio dos que atuam em nome do Poder Público.

DA FALTA DE TESTEMUNHAS E DA AUSÊNCIA DE RISCO IMINENTE
Para a caracterização do delito de embriaguez ao volante devem concorrer quatro requisitos: a) conduzir veículo automotor; b) que o agente esteja sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, com concentração igual ou superior a 6 decigramas; c) que o veículo esteja sendo conduzido na via pública; e, d) que o agente, na condução de veículo automotor, em via pública, exponha a dano potencial a incolumidade de outrem.
Com efeito, data venia de entendimento de parcela significativa da comunidade jurídica, na qual, obviamente, o prolator da sentença absolutória se insere, a ausência do teste do bafômetro ou do exame de sangue não afastam a possibilidade de comprovação da ebriedade por outros meios, pois é sabido que podem ser supridos pelo "exame clínico feito por médico, que atesta ou não o estado de embriaguez, verificando o comportamento do sujeito através de sua fala, seu equilíbrio, seus reflexos etc. Na falta desses exames, a jurisprudência tem admitido a prova testemunhal" (FERNANDO CAPEZ E VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES, Aspectos criminais do Código de Trânsito Brasileiro, 2ª ed., SP: Saraiva, 1999, p. 45).
Não houve testemunhas e não houve risco pois o mesmo estava dirigindo normalmente.

DA APREENSÃO DA CNH SEM O DEVIDO PROCESSO LEGAL

Sequer o recorrente recebeu um documento de apreensão de sua CNH; o documento seu, CNH, fora-lhe subtraído sem o devido recibo de Auto de Apreensão.
Não decorrendo o ato de recolhimento da CNH do impetrante, pela autoridade policial, de qualquer infração administrativa ou penal a ele imputada, e restando inobservados os procedimentos legais devidos, vez que sequer fornecido recibo ao condutor, revela-se ilegal a apreensão do documento. Documento que não apresentava sinais de adulteração e se encontrava dentro do prazo de validade. Não-instauração de processo administrativo ou inquérito para apuração de eventual suspeita de adulteração.
Ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa configurada. Requer pois a nulidade do termo de apreensão respectivo, porquanto realizada sem a observância das formalidades legais e dos princípios da ampla defesa, do contraditório e da motivação. A autoridade policial sequer formalizou sua suspeita de inautenticidade do documento, instaurando o competente inquérito policial, tampouco determinou a realização de exame pericial para dirimir tal circunstância, não apresentando esclarecimentos ou justificativa plausível para tanto. A respeito, consta expressamente no art. 272 da Lei nº 9.503/97, in literis:
“O recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação e da permissão para dirigir dar-se-á mediante recibo, além dos casos previstos neste Código, quando houver suspeita de sua inautenticidade ou adulteração.”

DA IRREGULARIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO - AIT
A irregularidade do auto de infração diz respeito à ausência dos requisitos de validade do AIT, que são os previstos no art. 280, do CTB. Ser irregular é não dispor das informações essenciais para que o infrator exerça, regularmente, seu direito de defesa. Noutras palavras, é suprimir os elementos prescritos pelos incisos I, II, III, IV , V e VI , do Art. 280, do CTB.
Notemos que não dispor da informação impede, logicamente, que se possa exercer um juízo adequado de valor sobre a veracidade ou inverdade da declaração presente no auto de infração de trânsito, porque o elemento simplesmente não existe.  A irregularidade do auto de infração em nada tem a ver com (in)consistência dele. Tal afirmação parecerá contraditória, se pensarmos que ambos são analisados no plano da validade, mas não na é. O AIT inconsistente possui um vício decorrente da concreção defeituosa dos elementos complementares, pois não retrata a verdade. Entretanto, um auto de infração irregular, que traga consigo a notícia do cometimento de uma infração de trânsito, não terá seu efeito produzido porque a concreção dos elementos complementares não foi completa, por não estarem presentes todos os elementos do suporte fático.
Anotemos que em ambos, inconsistência e irregularidade, teremos suportes fáticos deficientes, mas por causas diversas, naquele, pela falsidade da informação, e neste, pela ausência de um ou mais dos elementos complementares do suporte fático.

II - PEDIDO DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DESTE RECURSO

No tocante ao teor da decisão a ser emitida, alegamos que a mesma será  nula de pleno direito, caso lhe faltarem requisitos próprios para sua validade com ofensa ao princípios da fundação dos atos administrativos da espécie, sendo aplicável ao caso, por falta de regulamentação, a norma do artigo 458, do Código de Processo civil, “verbis”:
“Artigo 458 – SÃO requisitos essenciais da sentença”:
I – o relatório, que conterá o nome das partes, a suma do.
Pedido e da resposta do réu, bem como registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II – os fundamentos em que o juiz analisara as questões de fato e de direito;
III – o dispositivo em que o juiz. Resolvera as questões que as partes lhe submeterem.

Assim, temos a decisão e nula, por falta de fundamentação, que.
Incumbia aos Srs. Membros da J.A.R.I. manifestaram-se sobre:

A)  O RELATÓRIO: que deve comportar a narração das ocorrências no que se refere á acusação, razões da defesas e provas oferecidas;

B) AS RAZÕES DE DECIDIR: que deve comportar a análise das questões de fato e de direito e,

C)A CONCLUSÃO: que deve comportar a incidência da norma sobre o fato


Ademais, não bastassem as falhas apontadas, não constam também da decisão a identificação dos Membros que participara do julgamento subtraindo-lhe, também, autencidade formal que a lei exige.   

Sendo assim é bom frisar se por qualquer motivo o pedido administrativo não for aceito., solicito um parecer por escrito no prazo de dez dias úteis conforme determina o art.114 da Constituição Estadual  do responsável da seção que será o objeto de uma oportuna ação judicial (ver a súmula 127 do STJ e artigo 265 do CTB e comunicado o nº 0399 do CETRAN) e os artigos 24,34 e 37 da lei nº 10177 de 30/12/98 publicado  no D..O. E: poder exec; séc. I sp, de 31/12/98.


III - REQUERIMENTO

Isto posto, requer humildemente ao Ilmo. Sr. Diretor deste Detran, para que MANDE ARQUIVAR o auto de infração e seu registro julgando insubsistente conforme preceitua o art. 281, inciso I do C.B.T, e em razão do principio constitucional da ampla defesa e do contraditório como determina o art. 5º, inciso LX da CF/88, bem como ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, ainda em decorrência da ausência de previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro que determine que o condutor se submeta ao famigerado e irregular “teste do bafômetro”, bem como seja carreado aos autos à copia do Certificado de Conformidade do “ bafômetro”, como determina a Resolução do Contran de nº 81/98 e a 109/99.

Por derradeiro, seja ainda concedido o EFEITO SUSPENSIVO, na forma do artigo 285, parágrafo terceiro da Lei Federal 9.503, de 23 de setembro de 1997.

Nestes termos
Pede deferimento,



terça-feira, 3 de janeiro de 2012

IMORTAIS




Aproveitei o dia chuvoso para assistir ao filme Imortais, levado pela crítica escrita pelo Rodrigo Fonseca no Globo. Eu não tinha nenhuma expectativa maior com o filme por isso a análise do crítico me pareceu surpreendente. Antes dela, esperava apenas um filme de ação com tema épico e muitos efeitos especiais. Depois de ler, no entanto, acreditei tratar-se de um filme mais profundo, com enredo interessante e representatividade simbólica. Fiz um esforço para sair na chuva e pegar uma sessão vazia. Um filme recém lançado, com muita propaganda, uma chuva forte e um dia de mezzo-feriado normalmente significam uma multidão na porta do cinema. Composta, em sua maioria, por pessoas que permanecem em animadas conversas durante a exibição. Uma recorrente estupidez de comportamento cada vez mais comum. O assunto de lugares marcados nos cinemas já é antigo, mas acho que jamais conseguirei ultrapassar, sou nostálgico da liberdade de escolha após a entrada na sala. Acontece que as pessoas não sentem mais vergonha ou timidez em nenhuma situação, somos levados a uma intimidade abjeta com estranhos nas circunstâncias mais banais. Fala-se alto ao celular, conversas ao pé de seu ouvido sobre eventos privados alheios e, pior, desinteressantes. Alguém sentou exatamente ao meu lado, com a sala praticamente vazia e dezenas de poltronas liberadas. Tive que pular alguns assentos antes da sessão começar.
Vamos ao filme. Quem espera encontrar alguma profundidade que não seja a imediata sensação proporcionada pelo 3D, esqueça. É apenas um filme de ação com tema épico e efeitos especiais. Os efeitos especiais não são extraordinários, repetem muito do que já foi visto. Alguns trechos são inferiores ao que se espera de um filme com este orçamento. O Olimpo, por exemplo, é apenas alto. A onda terrível lançada por Posseidon lembra filmes antigos, com colagem de imagens distintas na edição. A luta dos deuses é um pouco mais interessante, mais pelos cenários e coreografias que pelo efeito em si. A Ação, por sua vez, é garantida do início ao fim. O enredo atende ao requisito, mesmo sacrificando a veracidade da estória. Algumas passagens são quase inexplicáveis. Os gregos defendem uma fortaleza gigantesca que protege a prisão dos Titãs. Toda a luta se dará em um túnel, nem tão estreito, entre dois exércitos desproporcionais. Em 300, uma situação semelhante grantiu alguma credibilidade à estória, mesmo que tenha sido dentro dos critérios propostos pelo própria universo da estória. Mas em Imortais, não há qualquer alternativa crível para o enfrentamento desproporcional, não há técnica de batalha, tudo se dá em pequenas cenas coreografadas. E de nada adianta a luta afinal de contas pois, mal foi iniciada, o rei Hipérion já havia saído pela lateral e encontrado o local secreto e protegido que procurava de forma obsessiva. Ou seja, a tal fortaleza não protegia coisa nenhuma. E este é apenas um exemplo de furo em um roteiro preguiçoso, que sacrifica em excesso a estória para tornar o filme mais rápido, acelerando ou duplicando a ação. As passagens que juntam Teseu ao oráculo são outro exemplo de dislexia do roteiro. O rei Hipérion está presente em uma pequena e inexpressiva batalha, salvando a vida de Teseu. Mas, quando seus homens transportam o oráculo, uma personagem chave para sua busca, aquela que pode lhe fornecer a preciosa informação desejada, o rei está distante e alheio. Além disso, seus homens juntam os escravos com as mulheres prisioneiras, sem nenhuma lógica possível, já que certamente estariam indo em direções opostas. Os escravos bebem de uma fonte limpíssima, descansando junto às prisioneiras. O fato em si já é estranhíssimo, nem os verdadeiros escravos gregos teriam tratamento tão ameno. O pior é que a situação permite a elaboração de uma trama simplória e farsesca. Tudo sob o olhar compassivo de brutamontes que são apresentados desde o início como desumanizados. A soma de situações inverossímeis fazem do desfecho do episódio um absurdo gritante, sob qualquer ótica. E assim segue o roteiro, priorizando a ação e acelerando uma  estória cheia de buracos e incoerências.
Mickey Rourke incorpora o rei Hipérion de forma contundente. O resto do elenco, no entanto, é apenas regular. Com exceção de Freida Pinto que se destaca por não interpretar. Sua personagem, em qualquer situação, trepando com Teseu ou tendo uma visão, faz a mesma e insistente cara de paisagem. Embora seja quem sofre a maior transformação na estória, permanece sempre a mesma e inexpressiva personagem. Os deuses, tirando Zeus, não podem nem ter a atuação conferida. Provavelmente são bailarinos profissionais. Quanto ao tema épico, simplesmente não consigo entender porque estes filmes que resvalam na mitologia grega inventam estórias com nomes de personagens que existiram de fato. O filme Tróia, por exemplo, observou o bom senso de não se intitular com o nome do romance homérico, mas usou todos os elementos daquela obra para delinear a trama. Cometeram absurdos que distorceram todo um simbolismo profundo que envolvia aqueles personagens. Mataram Menelau no início da guerra, por exemplo, quando na verdade Helena voltou a viver com ele. Uma diferença abissal entre as situações. Sem contar a duração ridícula que deram à guerra. Mas o pior talvez tenha sido colocar Aquiles dentro do cavalo, uma situação inadmissível que desqualifica totalmente o mito e sua representatividade. Da mesma forma, Tarsem Singh não denominou seu filme com o nome do herói Teseu, o que mostra certo recato. Contudo, não há explicação para não chamar o seu personagem por outro nome. Estes roteiristas, diretores e produtores deveriam criar novos nomes para personagens novos em estórias inventadas. Pobres dos iletrados e neófitos, que passarão a acreditar em mitos distorcidos e pasteurizados.
Mas, afinal, são tempos modernos, tecnicistas, onde não cabem mais os antigos mitos estruturantes. Em tempos pós Nietzscheanos, talvez não seja tão absurdo inventar uma mitologia onde os deuses são mortais.