terça-feira, 3 de janeiro de 2012

IMORTAIS




Aproveitei o dia chuvoso para assistir ao filme Imortais, levado pela crítica escrita pelo Rodrigo Fonseca no Globo. Eu não tinha nenhuma expectativa maior com o filme por isso a análise do crítico me pareceu surpreendente. Antes dela, esperava apenas um filme de ação com tema épico e muitos efeitos especiais. Depois de ler, no entanto, acreditei tratar-se de um filme mais profundo, com enredo interessante e representatividade simbólica. Fiz um esforço para sair na chuva e pegar uma sessão vazia. Um filme recém lançado, com muita propaganda, uma chuva forte e um dia de mezzo-feriado normalmente significam uma multidão na porta do cinema. Composta, em sua maioria, por pessoas que permanecem em animadas conversas durante a exibição. Uma recorrente estupidez de comportamento cada vez mais comum. O assunto de lugares marcados nos cinemas já é antigo, mas acho que jamais conseguirei ultrapassar, sou nostálgico da liberdade de escolha após a entrada na sala. Acontece que as pessoas não sentem mais vergonha ou timidez em nenhuma situação, somos levados a uma intimidade abjeta com estranhos nas circunstâncias mais banais. Fala-se alto ao celular, conversas ao pé de seu ouvido sobre eventos privados alheios e, pior, desinteressantes. Alguém sentou exatamente ao meu lado, com a sala praticamente vazia e dezenas de poltronas liberadas. Tive que pular alguns assentos antes da sessão começar.
Vamos ao filme. Quem espera encontrar alguma profundidade que não seja a imediata sensação proporcionada pelo 3D, esqueça. É apenas um filme de ação com tema épico e efeitos especiais. Os efeitos especiais não são extraordinários, repetem muito do que já foi visto. Alguns trechos são inferiores ao que se espera de um filme com este orçamento. O Olimpo, por exemplo, é apenas alto. A onda terrível lançada por Posseidon lembra filmes antigos, com colagem de imagens distintas na edição. A luta dos deuses é um pouco mais interessante, mais pelos cenários e coreografias que pelo efeito em si. A Ação, por sua vez, é garantida do início ao fim. O enredo atende ao requisito, mesmo sacrificando a veracidade da estória. Algumas passagens são quase inexplicáveis. Os gregos defendem uma fortaleza gigantesca que protege a prisão dos Titãs. Toda a luta se dará em um túnel, nem tão estreito, entre dois exércitos desproporcionais. Em 300, uma situação semelhante grantiu alguma credibilidade à estória, mesmo que tenha sido dentro dos critérios propostos pelo própria universo da estória. Mas em Imortais, não há qualquer alternativa crível para o enfrentamento desproporcional, não há técnica de batalha, tudo se dá em pequenas cenas coreografadas. E de nada adianta a luta afinal de contas pois, mal foi iniciada, o rei Hipérion já havia saído pela lateral e encontrado o local secreto e protegido que procurava de forma obsessiva. Ou seja, a tal fortaleza não protegia coisa nenhuma. E este é apenas um exemplo de furo em um roteiro preguiçoso, que sacrifica em excesso a estória para tornar o filme mais rápido, acelerando ou duplicando a ação. As passagens que juntam Teseu ao oráculo são outro exemplo de dislexia do roteiro. O rei Hipérion está presente em uma pequena e inexpressiva batalha, salvando a vida de Teseu. Mas, quando seus homens transportam o oráculo, uma personagem chave para sua busca, aquela que pode lhe fornecer a preciosa informação desejada, o rei está distante e alheio. Além disso, seus homens juntam os escravos com as mulheres prisioneiras, sem nenhuma lógica possível, já que certamente estariam indo em direções opostas. Os escravos bebem de uma fonte limpíssima, descansando junto às prisioneiras. O fato em si já é estranhíssimo, nem os verdadeiros escravos gregos teriam tratamento tão ameno. O pior é que a situação permite a elaboração de uma trama simplória e farsesca. Tudo sob o olhar compassivo de brutamontes que são apresentados desde o início como desumanizados. A soma de situações inverossímeis fazem do desfecho do episódio um absurdo gritante, sob qualquer ótica. E assim segue o roteiro, priorizando a ação e acelerando uma  estória cheia de buracos e incoerências.
Mickey Rourke incorpora o rei Hipérion de forma contundente. O resto do elenco, no entanto, é apenas regular. Com exceção de Freida Pinto que se destaca por não interpretar. Sua personagem, em qualquer situação, trepando com Teseu ou tendo uma visão, faz a mesma e insistente cara de paisagem. Embora seja quem sofre a maior transformação na estória, permanece sempre a mesma e inexpressiva personagem. Os deuses, tirando Zeus, não podem nem ter a atuação conferida. Provavelmente são bailarinos profissionais. Quanto ao tema épico, simplesmente não consigo entender porque estes filmes que resvalam na mitologia grega inventam estórias com nomes de personagens que existiram de fato. O filme Tróia, por exemplo, observou o bom senso de não se intitular com o nome do romance homérico, mas usou todos os elementos daquela obra para delinear a trama. Cometeram absurdos que distorceram todo um simbolismo profundo que envolvia aqueles personagens. Mataram Menelau no início da guerra, por exemplo, quando na verdade Helena voltou a viver com ele. Uma diferença abissal entre as situações. Sem contar a duração ridícula que deram à guerra. Mas o pior talvez tenha sido colocar Aquiles dentro do cavalo, uma situação inadmissível que desqualifica totalmente o mito e sua representatividade. Da mesma forma, Tarsem Singh não denominou seu filme com o nome do herói Teseu, o que mostra certo recato. Contudo, não há explicação para não chamar o seu personagem por outro nome. Estes roteiristas, diretores e produtores deveriam criar novos nomes para personagens novos em estórias inventadas. Pobres dos iletrados e neófitos, que passarão a acreditar em mitos distorcidos e pasteurizados.
Mas, afinal, são tempos modernos, tecnicistas, onde não cabem mais os antigos mitos estruturantes. Em tempos pós Nietzscheanos, talvez não seja tão absurdo inventar uma mitologia onde os deuses são mortais.